Senadores querem informações sobre atuação do Ministério das Relações Exteriores em relação à aquisição vacinas e insumos pelo Brasil
A Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia abriu nesta terça-feira (18) sua terceira semana de depoimentos. Os senadores aprovaram rapidamente uma série de requerimentos de informações e de convocação para a CPI e discutiram algumas questões de ordem.
Agora, a CPI ouve o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, convocado por requerimentos apresentados pelos senadores Marcos do Val (Podemos-ES) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Na quarta-feira (19), será a vez do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Já na quinta (20), prestará depoimento a secretária de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde, Mayra Pinheiro.
Até o momento, a comissão já ouviu os ex-ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, o atual chefe da pasta Marcelo Queiroga, o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, o ex-secretário especial de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten e o gerente-feral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo.
Resumo da CPI da Pandemia:
Perguntado sobre sua participação na intermediação da compra de insumos para a produção de cloroquina, Araújo afirmou que, em março de 2020, havia uma expectativa de que a cloroquina fosse eficaz para o tratamento da Covid-19.
"Em função de um pedido do Ministério da Saúde, procuramos tentar viabilizar uma importação do insumo para farmacêuticas brasileiras (...) Lembrando que a cloroquina é necessária para várias doenças crônicas e é importante que tenha seu estoque preservado no sistema de saúde e esse estoque havia baixo. Isso independe dos testes sobre eficácia para o tratamento da Covid", explicou.
Renan perguntou sobre testes bem-sucedidos no Brasil sobre o uso da cloroquina para pacientes com o novo coronavírus que o chanceler pudesse ter conhecimento.
"Na minha atribuição nunca recebi uma relação de testes realizados. Essa atuação para liberar exportação de hidroxicloroquina da Índia foi uma importação a pedido do Ministério da Saúde e devidamente justificada."
Ainda sobre essa questão, Araújo disse que, em determinado momento, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pediu ao Itamaraty para intermediar um telefonema dele para o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi.
Araújo diz que nunca fez declarações antichinesas
Questionado novamente sobre a China e se alguma declaração antichinesa poderia ter impactado na falta de insumos para a fabricação de vacinas no país, o ex-chanceler disse entender que nenhum de seus atos tenha sido antichinês.
"Não entendo nenhuma declaração minha como anti-chinesa. Houve determinados momentos que o Itamaraty e eu nos queixamos de questões do embaixador da China em Brasília, mas nenhuma declaração que pode ser classificada como antichinesa. Não há nenhum impacto de algo que nunca existiu", afirmou.
"Entendo que nada que eu tenha feito possa ter levado a qualquer percalço no recebimento de insumos (...) Jamais foi identificada nenhuma correlação entre atrasos com elementos políticos."
A resposta de Araújo foi interrompida pelo presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), que lembrou que o ex-chanceler estava sob juramento de falar a verdade.
"O senhor deu varias declarações anti-China, se indispôs várias vezes com o embaixador chinês. Em um artigo o senhor chama de “comunavirus” e há pouco disse que não deu declarações. Posso ler seu artigo. O senhor faz uma declaração que a pandemia era para ressuscitar o comunismo. Na minha análise, o senhor está faltando com a verdade. Não faça isso", disse Aziz.
"Por favor, estamos procurando a verdade. Nada pessoal. Tenho que fazer esse alerta para que depois a gente não entre em conflito. Não negue o que o senhor escreveu."
Ernesto se justificou a Aziz e disse que "não houve nenhuma falta com a verdade". "O artigo que escrevi, se não me engano em abril de 2020, é uma referência não ao coronavírus, mas àquilo que um autor marxista, Slavoj Žižek – cujo texto eu analiso no meu artigo – qualificou como um vírus ideológico. Ele escreveu um pequeno livro dizendo que havia o coronavírus e que ele criou a oportunidade para o surgimento de um vírus ideológico (...) Eu usei esse termo jocoso era disso que eu estava tratando, do vírus ideológico."
Novamente, Aziz interpelou o ex-chanceler, dizendo considerar "estranho" o então chanceler escrever um artigo como o de Araújo que poderia ser direcionado à China.
"O artigo não é absolutamente contra a China. A leitura do artigo deixa claro. A China é mencionada apenas lateralmente, em um ponto do artigo. O comunavirus, o artigo deixa claro, não é uma designação ofensiva ao coronavírus, é uma designação aquilo que o autor comentado chama de vírus ideológico", afirmou Araújo.
Araújo disse ainda que, não se pode ver no comércio nenhum indicio de uma piora de relação com a China. "Não é o único, mas é um dos indícios da qualidade de uma relação bilateral. Não há prejuízo nas relações comerciais. Não há indicio de que a nossa atuação tenha causado prejuízos comerciais", disse.
Ele também destacou o fato de o Brasil ser o país que mais recebeu insumos produzidos pela China e disse não considerar que qualquer coisa que possa ser classificada como uma posição ideológica, dele ou do presidente, tenha se sobreposto aos interesses nacionais.
O ex-chanceler também afirmou não ter defendido o deputado Eduardo Bolsonaro no episódio em que ele criticou publicamente a China.
"Eu não saí em defesa do filho do presidente. Eu disse que o governo brasileiro não endossava declarações do Eduardo Bolsonaro, mas o embaixador da China tinha se excedido, sobretudo ao fazer um retuíte de uma postagem ofensivas ao presidente da República", disse.
"Isso foi fora da atribuição de um diplomata. É inaceitável um embaixador ofender o presidente da República. Não endossávamos declarações do deputado Eduardo Bolsonaro (...) e que não cabe ao governo federal cortar a liberdade de expressão de qualquer pessoa."
Proximidade com Trump não afetou negociações com Biden
Araújo negou que a proximidade da política externa de sua gestão com a implementada durante o governo norte-americano do ex-presidente Donald Trump tenha dificultado contatos e negociações com a atual gestão, de Joe Biden.
"Acredito que de nenhuma maneira nos prejudicou. Eu dizia na época que nossa aproximação, os acordos que negociávamos eram com os EUA e não com o presidente Trump, embora, claro, a boa relação entre os dois presidentes facilitasse o avanço desses entendimentos - e não havia porque não explorá-lo", explicou à CPI.
"Mas com a mudança de governo nos EUA houve uma mudança de ênfase por parte do governo americano. Ainda na minha gestão já estávamos em contato muito estreito, fluído e frutífero com o novo governo americano para, digamos, rearmar a relação a partir dessas novas prioridades do governo americano", completou.
Araújo nega que tenha entrado em atrito com a China
'Não promovi atrito com a China'Em determinado momento, Calheiros afirmou que durante a pandemia foram testemunhados atritos com a China e perguntou se isso teria impactado na negociação de imunizantes contra a Covid-19.
"Acho que a descrição de aspectos de nossa política externa é uma visão que não corresponde à realidade do que foi implementado. Não houve um alinhamento com os EUA, mas uma aproximação. Mas seja com EUA ou qualquer outro país, só entramos em iniciativas do interesse brasileiro e que correspondessem aos nossos interesses de política externa", disse Araújo.
"Jamais provi nenhum atrito com a China, seja antes ou durante a pandemia. De modo que os resultados que obtivemos durante a pandemia decorrem de uma política externa que foi implementada de acordo com os nossos objetivos, mas não era uma política de alinhamento automático com os EUA nem anti-multilateral e nem de enfrentamento com a China."
Durante a gestão de Araújo no Itamaraty, no entanto, o Brasil ficou cerca de 10 meses sem estabelecer contato com a embaixada da China no país – o rompimento de relações teve início após o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) criticar publicamente o país asiático e o embaixador Yang Wanming.
Na época, o então chanceler afirmou que esperava um pedido de desculpas por parte do governo chinês já que uma manifestação do embaixador, em resposta a Eduardo Bolsonaro, havia citado também o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Orientações para o Itamaraty vieram do Ministério da Saúde
Questionado sobre a existência de diretrizes para a atuação internacional do governo em questões relativas à pandemia, Araújo afirmou que não existia um documento único, mas sim orientações de acordo com diferentes momentos e situações.
Ele disse ainda que sua pasta atuou, principalmente, sob orientações que partiram do Ministério da Saúde – comandado durante a maior parte do período da pandemia pelo general Eduardo Pazuello.
"Quase sempre, as recomendações que o Itamaraty recebeu vieram a partir do Ministério da Saúde, de acordo com o requisito do momento. Mas não tenho conhecimento de um plano único da dimensão internacional do enfrentamento à pandemia", disse o ex-chanceler.
"Houve orientações, imagino que passadas ao Ministério da Saúde, mas não tenho conhecimento [das passadas à Saúde]. O Itamaraty, praticamente em todos momentos, atuou por coordenação com o Ministério da Saúde", reforçou.
Araújo defende política externa diferente da anterior
Em sua fala de abertura, antes dos questionamentos do relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), Araújo fez um resumo de seu período à frente do Itamaraty.
Ele afirmou que pautou sua atuação em 4 dimensões: comércio Internacional e a inserção econômica, segurança e o combate ao crime organizado, o trabalho nos organismos internacionais e os relacionamentos bilaterais.
"O Itamaraty faz parte de um governo e a política externa deve fazer parte de um projeto escolhido nas urnas. É natural que um governo eleito com um projeto de mudanças profundas tivesse uma política externa diferente das anteriores, que correspondiam a outros projetos políticos", disse Araújo.
Ele disse que, sob orientação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) o objetivo da sua política externa era o de "contribuir para um Brasil grande, livre, consolidado como uma das grandes democracias do mundo, com uma economia de mercado mundialmente competitiva".
Aprovação de requerimentos de convocação
A sessão da CPI foi aberta com a aprovação, de forma unânime, de dois requerimentos de convocação para a comissão: de Antônio Elcio Franco Filho, ex-Secretário Executivo do Ministério da Saúde, e de Hélio Angotti Netto, Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde.
Também foram aprovados 12 requerimentos de pedidos de informação. Eles são direcionados ao Ministério das Comunicações, ao Itamaraty, ao Ministério da Saúde, à Casa Civil, ao CONITEC e à Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência.
Um desses requerimentos também requer a gravação da entrevista do ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten à Revista Veja.
Justificativas para a convocação
Marcos do Val e Alessandro Vieira buscam explicações sobre a condução da diplomacia brasileira durante a crise sanitária provocada pela pandemia de Covid-19.
De acordo com a Agência Senado, o requerimento de Marcos do Val aponta que Araújo "executou na política externa o negacionismo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na pandemia, o que teria feito o Brasil perder um tempo precioso nas negociações por vacinas e insumos para o combate à doença”.
Já o senador Alessandro Vieira quer obter informações sobre a atuação da pasta em relação à aquisição vacinas e insumos pelo Brasil.
Na sexta-feira (14), o Ministério das Relações Exteriores enviou uma série de documentos e ofícios à CPI da Pandemia sobre como a pasta participou dos esforços do Brasil para adquirir vacinas, insumos e equipamentos para enfrentamento da Covid-19. A informação é do analista da CNN, Leandro Resende.